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Sunday Morning

Sento-me sobre o carvalho envelhecido, tão presente em tantas vidas. Entrego-me à sua sombra protetora, e agradeço sua bondade. Pego meu velho caderno, tão rabiscado, meu "diário de bordo", já diria o navegante. Folheio suas páginas sob a árvore poderosa, e vejo tantas coisas escritas, tantos momentos registrados. Palavras que por vezes guardaram rancor, desejo, fúria, mágoa, tristeza, em seu intimo escondido do mundo. Escondido até de mim. Passo as páginas lentamente, apreciando a paisagem de meu quintal tão formoso. A grama verde que convida-o ao descanso, os frutos de tantas árvores em demasia, alimentando incontáveis famílias, humanas ou não. O riacho sempre límpido, convidativo, um tanto sedutor. Profundo, assim como a alma daqueles que refresca. Evito pensar nele agora, pois tenho algo à fazer.

Volto minha atenção para o caderno, e que diferente ele está agora! Cheio de rabiscos indescífraveis, de páginas cortadas, de ataques de ódio e dor. Penso em como minha vida era complicada, cheia de regras e modas tais que prendiam-me em prisão fria, dentro de mim mesmo. Sinto o calafrio descer pela espinha, e de súbito paro. Fecho o caderno por um momento, e contemplo o sol. Ó, magnifico sol! Como eu amo tua luz, teu calor, teu desejo de guiar a vida de todos nós sem nada pedir em troca. Tu, estrela maior, que há de brilhar por muitas eras, interceda por nós, para que vejamos a glória do mundo. Assim como você me fez ver, há tanto tempo.

Involuntariamente, acabo por esboçar um sorriso: Este é o efeito que você fará sempre em mim? Volto-me lentamente ao caderno, ansiando para passar mais páginas. Os momentos de dor tornam-se ainda mais claros, fortes, presentes. Por um segundo, penso que eles não acabariam jamais. Até o momento em que uma folha do carvalho se desprende e caí ao meu lado, quase tocando a folha sob a qual parei. A folha  quase toda em branco. O vazio, o caos, o nada. Então olho para a última linha, e lá está.

"Sunday Morning". Assim mesmo, em inglês. Circulo lentamente com a caneta que tiro do bolso, e deixo a página intacta. Passo para a seguinte, onde encontro "Sunday, at night". O sorriso se torna ainda mais sincero, mais forte dentro de mim. E logo abaixo da pequena descrição em inglês, palavras. Inúmeras palavras. Todas alinhadas, em ordem correta, concisa, perfeita. Descrevendo horários, frases, ações, momentos. Chamo em um sussurro: "Perfeição", apenas para ouvir a melodia clamar ao meu ouvido. A mesma melodia divina que ouvi quando escrevi aquela página. Paro, e aprecio a melodia. Deixo ela me invadir, me consumir. E vejo que nada existe mais. Nada mais existe.

A não ser você.

Vejo com calma todas as palavras ditas, toda a surpresa e toda a ansiedade. Rabisco algo ao lado, sem saber bem como me portar. Releio tudo, mais de dez vezes, e lembro com clareza a força que senti quando nossa história começou. Como tive medo, de perder você para o mundo. E lembro da promessa, a mesma que fiz há tantos anos. Escrever algo, todo domingo, em agradecimento. E escrevo, aumentando o absurdo que é aquele caderno feito por mim mesmo, com milhares e milhares de páginas. Por mais de quarenta anos, escrevo, e escreverei. Neste caderno em que tudo foi gravado. Neste louco caderno cheio de dores, confusões, medos e ilusões, apenas uma coisa realmente prevalece: As milhares de páginas que escrevo em homenagem à ti. As inúmeras frases em que disse, de mil maneiras, como preciso de ti. Os inúmeros gestos, descritos com precisão, quase ao alcance da mão. As três únicas palavras, que juntas, resumem tudo o que sinto por ti.

E continuarei a escrever, até o fim de meus dias.

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